O amor romântico é um evento temporário, porque acontece no plano físico transitório. As etapas começam mais ou menos como paixão. Há as rupturas de emoção, os encontros. Mas a paixão romântica é também um elo com a eternidade, porque anseia por ser vivida para além do laço físico, esperando tornar-se absoluta, definitiva e completa. Cada vez que experimentamos um amor profundo, escapamos do tempo para nos aproximarmos do mistério e da possibilidade da eternidade. Amor e paixão ignoram o tempo. Aqueles que desejam puramente conjugar tornam-se vítimas de um presente raivoso e de uma inconsciência para a eternidade. Se falamos de verdadeira paixão, nossas habilidades de perceber a atemporalidade são intensificadas.
No entanto, a tragédia do amor perdido cria o perigo de uma fixação eterna no passado. Essa fixação continua a manifestar sua existência até que algo faça com que o vínculo emocional negativo com o perdido seja rompido. Nesse momento, provoca-se uma fuga do fluxo temporal, onde os acontecimentos que passam podem repousar no passado, dissociando-se do presente. Eles podem então se tornar integrados e comprometidos com o esquecimento.
No entanto, a memória humana luta para escapar da opacidade criada pela imagem inabalável do ente querido que não está mais ali. Tentar reter as imagens do passado, para emprestar sua intensidade ao presente, tem sido uma preocupação constante do ser humano. Num contexto individual, essa mera realidade pode ser vivida de forma altamente individual e independente. O futuro, indecifrável, não nos penetra. O passado é uma região conhecida mas ainda fecunda e, pela natureza prognóstica do humano, nunca abandonada até que o laço seja de alguma forma rompido.
Para tornar possível viver do amor, devemos criar o que pode ser chamado de fuga das algemas do tempo. O amor pode ser isolado de seu contexto temporal original, cristalizado pelo fluxo poderoso do evento que não faz mais parte do passado. Isso se constitui como um germe do que acontece em um tempo e denúncia completa de uma vida já inexistente. Assim, o passado não é mais "o passado", porque remove sua aparência fantasmagórica e reivindica sua atualidade.
Extraído da memória temporal esquecida, o amor pode se tornar uma experiência pura e atemporal da realidade extra temporal. O caminho da memória torna-se o instrumento para criar um momento presente erótico, uma recuperação de sensações passadas, que não visa apenas a recreação, mas que torna o prazer e a memória em planos iguais. Exemplo disso é a invocação de uma sensação passada, que deve ter a memória do corpo, dos lábios, da pele, que conhecemos intuitivamente. O corpo parece ter capacidade cognitiva, pelo menos na esfera sensual e indelével. O corpo sente, mas também pensa, lembra. O corpo sabe. Semelhantes equivalências são experimentadas quando nossas memórias transcendentes monopolizam o mais esplêndido erotismo e prazer de nossos seres. Quando isso ocorre!
O prazer é a memória e a reflexão sobre a autêntica vida de unidade com tudo. Às vezes, a memória não precisa de um catálogo completo de experiências. O passageiro, o fugaz, pode criar todo um universo de sensações. Um único momento, talvez furtivo e rápido, pode ser patenteado em nossas vidas. A atração não precisa de nenhum outro estímulo. O momento só precisa da percepção do belo, do sublime, apesar do assoalho temporário do encontro. Acaba com a forma, criando um erotismo essencialista que transcende toda forma momentânea, onde a intensidade supera tudo o mais. As fórmulas dos antigos greco-sírios sugerem um retorno metafísico à juventude dourada com sua amante, a beleza, o amor, mesmo que apenas por uma hora.
Eu proponho um eterno paixão. Esta eternidade é criada com os estímulos da memória e a riqueza das sensações que a sua renovação nunca esgota. Ressaltemos que diante dos embates e desilusões do tempo ainda existe a possibilidade de reflexão transcendente. A dor e a velhice desaparecem, nem que seja por um momento, mas o cansaço que é a vida que só pode ser suportado se abundarmos no que nos ultrapassa. Convido-vos a ultrapassar os limites do conhecimento, estabelecendo novas ordens entre as palavras e as coisas, utilizando a multiplicidade de ferramentas fornecidas pela experiência humana, como viver pequenos momentos, olhares, divagações solitárias. Assim iremos passar e apresentar, excluídos do tempo, confundindo previamente os nossos corpos e podendo fundir-nos. É preciso aquecer-se para a possibilidade de ser amado na memória, obtendo a sua renovação, através de uma eloquência do corpo que ultrapassa o tempo.